
Inteligência Artificial, Racismo Ambiental e a Batalha pelo Futuro de Sorocaba
É na união entre cérebros humanos e máquinas que está surgindo um novo mapa da Região Metropolitana de Sorocaba. Um mapa que revela, com nitidez alarmante, aquilo que muitas vezes não queremos ver: áreas verdes desaparecendo, agricultura avançando sobre o que deveria ser preservado e comunidades inteiras sendo empurradas para as bordas da sobrevivência.
E quem está no centro desse furacão — ou melhor, dessa revolução científica — é Gabriela Santos Luchetti Vieira, engenheira ambiental e mestranda pela Universidade de Sorocaba (Uniso). Ela decidiu, com apoio de imagens do programa LANDSAT, redes neurais e toneladas de dados públicos, enxergar o território além da superfície. O que descobriu pode, literalmente, salvar vidas. Ou, se ignorado, custar muito caro.
Satélites, algoritmos e a paisagem em mutação
Em um trabalho que combina tecnologia de ponta com sensibilidade social, Gabriela analisou a ocupação do solo em 27 municípios da Região Metropolitana de Sorocaba entre 2013 e 2023. Usando inteligência artificial — mais precisamente, redes neurais —, ela conseguiu identificar padrões de desmatamento, expansão urbana e avanço agrícola em áreas críticas.
O método, inédito na RMS, revela dados impressionantes: apenas 7,6% da região é urbana, enquanto mais da metade ainda é dedicada a atividades rurais. Mas isso está mudando. E rápido.
Um dos pontos mais sensíveis identificados pela pesquisa foi o entorno da represa de Itupararanga, em Ibiúna — o principal manancial de abastecimento de água da região. Áreas antes classificadas como preservação estão sendo ocupadas por plantações.
O desafio de ensinar uma IA a proteger o meio ambiente
Redes neurais não aprendem sozinhas. Elas precisam ser treinadas — e é aí que entra o talento humano. Gabriela usou dados do LANDSAT (NASA e USGS) e combinou essas imagens com informações da Emplasa e da Fundação Seade para analisar as conexões entre território, economia e população.
Ao encontrar, por exemplo, que áreas florestais foram mais preservadas próximas aos Parques Estaduais Carlos Botelho e Jurupará, ela reforça a importância de áreas protegidas como estratégia de resiliência.
Racismo ambiental: o que a tecnologia revela sobre injustiças antigas
Mas há algo que a tecnologia, sozinha, não mostra: quem está sofrendo mais com tudo isso. É aqui que entra outro olhar poderoso da edição de maio da Uniso Ciência: o do professor Vidal Dias da Mota Júnior, especialista em Ciências Sociais.
Segundo ele, o que vemos nas imagens de satélite também tem cor, classe e história. “As mudanças climáticas atingem a todos, mas não da mesma forma. Em Sorocaba, são os bairros mais pobres, e majoritariamente negros, que enfrentam alagamentos, deslizamentos e falta de infraestrutura”, afirma.
Esse fenômeno tem nome: racismo ambiental.
Sorocaba no espelho: onde está o lixo da sua cidade?
O professor propõe um exercício simples e brutal: observe onde está o lixo, onde estão os parques e onde vivem as pessoas negras. As respostas costumam convergir.
É um ciclo perverso que leva as minorias a viverem em zonas onde o Estado não chega — o que o filósofo camaronês Achille Mbembe chamou de necropolítica: quando o poder escolhe, ainda que veladamente, quem vive e quem morre.
E a morte aqui não é sempre visível. Ela vem em forma de infecções por falta de saneamento, calor extremo em bairros sem sombra, intoxicações por contaminação ambiental, como as que já afetam comunidades quilombolas no Vale do Ribeira — com níveis de chumbo até 10 vezes acima do permitido pela OMS.
O futuro está nos dados — mas também nas decisões
O trabalho de Gabriela não é apenas um estudo acadêmico. É um instrumento de planejamento urbano, que pode orientar políticas públicas, liberar (ou barrar) licenças ambientais e inspirar ações privadas mais responsáveis.
E Sorocaba?
Sorocaba, que cresce para os lados, precisa agora crescer para dentro, reavaliando seu modelo de urbanização. A integração entre o conhecimento científico e a governança local é mais urgente do que nunca.
O risco de repetir o que acontece ao redor — como o avanço descontrolado sobre Itupararanga ou a segregação socioambiental — está mais próximo do que parece.
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